quarta-feira, 7 de abril de 2010

O fotógrafo


"Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal."


Manuel de Barros

2 comentários:

  1. Fotografar o abstrato
    Abstrair a figura concreta
    Como um ilusionista que com olhar faz mágica
    e a essência liberta!

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  2. Fotografar a alma; fotografar o sol... fotografar a vida...fotografar a luz... fotografar a essência!? há possibilidade?
    O analista se concentra no olhar que pouco diz...o fotografo se concentra na luz que pouco vê... Mas o sábio se concentra no silêncio do quadro que fotografa com o olhar da emoção mas, que dá uma análise do infinito a cada olhar da emoção.
    Um grande beijo, filho, continue investindo nos teus sonhos. Vou está sempre do teu lado. Sonhar é viver e viver é sonhar.

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